Lisboa, 23 nov (Lusa) – O Sindicato dos Trabalhadores de Arqueologia (STArq) critica as instalações do Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática (CNANS) em Lisboa, inauguradas no passado dia 05, que considera um “projeto inexplicavelmente subdimensionado, apesar de haver espaço disponível”.
O STArq critica a falta de espaço para receber novas peças recolhidas das escavações, e o que “vai ser recuperado a curto prazo, em obras como a ampliação da rede de Metro de Lisboa, o plano de drenagem da cidade de Lisboa, ou o alargamento do canal de navegação do porto de Portimão”, no Algarve, e acusa o Governo de não ter uma estratégia para a Arqueologia em geral, de acordo com o comunicado hoje divulgado.
Segundo o sindicato, “não é possível receber mais peças arqueológicas, ou seja, o espaço já se encontra lotado”.
“O projeto, frequentemente, não respeitou o programa funcional definido pelos técnicos do CNANS em 2013. As instalações não contemplam espaços, equipamentos e infraestruturas fundamentais: para o enchimento de garrafas de mergulho, para lavagem de equipamentos, para a realização de trabalho arqueográfico, para o manuseamento de peças e contentores de grandes dimensões (empilhador)”, aponta o STArq.
Para o sindicato “as opções estéticas do projeto sacrificaram as funcionalidades e as necessidades do CNANS”.
As novas instalações, em Xabregas, na zona oriental de Lisboa, não têm espaço “para o parqueamento das embarcações”, porque estas “não passam nos portões!”, escreve o sindicato.
“Embarcações aliás que continuam inoperacionais há quase 10 anos”, acrescenta.
O edifício, um antigo armazém que foi requalificado, “não garante eficiência energética, não tem os acabamentos concluídos, não tem telefones, o desempenho informático é deficitário, o número de postos de trabalho e as suas condições são insuficientes”, enumera o STARQ.
“Parte dos problemas poderia ter sido acautelado se a DGPC [Direção-Geral do Património Cultural] não tivesse optado por afastar os técnicos do CNANS durante o projeto e a sua execução”, salienta o STARQ.
“O CNANS tem casa nova e essa é uma boa notícia”, reconhece o sindicato, referindo, em seguida, porém, que “não basta visitar as instalações com pompa e anunciar uma inauguração, é preciso que o CNANS funcione e funcione bem!”.
O STArq aponta algumas deficiências no centro de investigação, desde logo poucos recursos humanos, uma equipa pequena – três arqueólogos, um conservador-restaurador e uma assistente técnica -, que “supervisiona um território 40 vezes maior que o território terrestre, gere a salvaguarda de sete mil sítios arqueológicos e garante a conservação de mais de 20 mil peças arqueológicas, algumas classificadas como Tesouros Nacionais”.
A carência de trabalhadores “perpetua práticas nocivas como a homologação das autorizações de trabalhos arqueológicos ou a ausência de resposta em procedimentos de Avaliação de Impacte Ambiental”, argumenta o sindicato.
O STArq afirma que “o reforço de trabalhadores, anunciado pela ministra da Cultura, é uma ilusão” e crítica por decorrer de “financiamento estrangeiro (EEA Grants) e da sociedade civil (Orçamento Participativo Português), e tem prazo finito, até inícios de 2024.
Uma precariedade laboral que o STARQ considera “inaceitável, pois as funções e competências do Estado Português têm de ser asseguradas por contratos de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado”.
O STArq aponta também “o inadequado enquadramento institucional do CNANS na orgânica da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC)”, defendendo a “criação de uma unidade orgânica autónoma” – e aponta este como “o momento ideal para o concretizar”.
O sindicato afirma que a ministra da Cultura, Graça Fonseca, não tem “uma estratégia para a Arqueologia em geral, e para a Arqueologia Náutica e Subaquática em particular”.
Segundo o sindicato não há “qualquer ideia de fundo para a gestão, salvaguarda, investigação, conservação e valorização dos bens arqueológicos portugueses, no âmbito das competências da DGPC e das Direções Regionais de Cultura” e “não se vislumbram propostas para resolver os problemas dos profissionais do setor, nem para cumprir as metas estabelecidas na Estratégia Nacional para o Mar”.
O comunicado o STArq faz a cronologia do CNANS desde 2010 e critica a “derrapagem financeira” sem qualquer justificação.
Em 2010, o CNANS foi instalado provisoriamente num espaço arrendado, “dispendioso e com condições inadequadas”, no Mercado Abastecedor da Região de Lisboa (MARL), em 2012, a DGPC apontou a instalação definitiva do CNANS num edifício do Estado.
“Extraordinariamente, até 2016 e apesar dos constantes alertas das associações do setor, da Associação de Arqueólogos Portugueses (AAP) e do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOM Portugal), e de uma recomendação parlamentar, quer o Ministério da Cultura, quer a DGPC não deram andamento à mudança de instalações”, refere o sindicato, e só em meados de 2017, o MARL iniciou obras, em articulação com a direção da DGPC, “sem antes garantir a proteção do valioso Património Cultural Náutico e Subaquático à guarda da própria DGPC que tem por missão proteger esse mesmo património”.
Recorda o sindicato que a sua intervenção conjuntamente com a AAP, ICOM Portugal, o Fórum Cidadania Lx, o Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Sul e Regiões Autónomas (STFPSSRA), de investigadores, académicos e arqueólogos, deputados, Grupos e Comissão Parlamentar, da Procuradoria-Geral da República, Autoridade para as Condições do Trabalho e meios de comunicação, obrigaram a DGPC e o Ministério Cultura a ‘redescobrir’, em julho de 2017, a solução já ‘encontrada’ cinco anos antes”.
Para o STArq, o CNANS revela “um planeamento atabalhoado [que] resultou numa obra prevista para seis meses [e] se prolongou por 39”, uma “inauguração anunciada e adiada sete vezes pelo Ministério da Cultura e pela DGPC, cinco anos após denúncia do contrato de arrendamento [pelo MARL]”.
“Uma obra que custou quase o dobro do valor adjudicado (1,5 milhões)”, afirma o STArq para quem “nada justifica tanta demora e derrapagem financeira”.
A agência Lusa contactou a DGPC, mas não recebeu até ao momento nenhuma reação.
As novas instalações do CNANS, em Xabregas, na zona oriental de Lisboa, foram visitadas no passado dia 05 pela ministra da Cultura Graça Fonseca, que, em declarações aos jornalistas, reconheceu que a transferência deste centro de investigação, anunciada em 2017, foi “um processo longo, em várias etapas”, e que “está agora concluído”.
Na passada segunda-feira o arqueólogo Pedro Barros afirmou à Lusa que o projeto “Water World”, que obeteve 995.000 euros de financiamento europeu vai colmatar “lacunas significativas” no CNANS.
O CNANS foi uma das instituições contempladas pelo mecanismo financeiro plurianual do Espaço Económico Europeu (EEA Grants), e contará com 995 mil euros, a investir até 2024 em recursos humanos e técnicos, através do projeto “Water World”, e que serve de complemento para o funcionamento do centro.
O contrato de financiamento do projeto “Water World” foi assinado em junho de 2020, em parceria com o Museu Marítimo da Noruega – um dos países doadores dos EEA Grants -, mas só agora é que começa a ser executado.
Em agosto passado o CNANS foi transferido para um antigo armazém na zona oriental de Lisboa, convertido em laboratório e espaço de acomodação de milhares de peças de pequena e grande dimensão recolhidas em ambiente aquático, como fragmentos de cerâmica, espadas, canhões, destroços de embarcações.
Em declarações aos jornalistas durante a visita no passado dia 05, Graça Fonseca explicou que a instalação do CNANS custou 1,5 milhões de euros, provenientes do orçamento da DGPC. Sobre a demora na reabertura, a ministra invocou os constrangimentos da pandemia da covid-19.
Sobre os 995 mil euros do mecanismo financeiro EEA Grants, a ministra descreveu-o como “um reforço importante de capacitação e de formação de recursos humanos, de novos equipamentos adquiridos”.
A equipa do CNANS passa de quatro para 10 técnicos superiores com contratos de trabalho, disse Graça Fonseca, respondendo a uma das reivindicações do setor, que alertou por diversas vezes para a escassez de arqueólogos contratados para este centro.
“Estamos no processo de recrutamento de mais pessoas para trabalhar aqui. Há vários processos em curso de emprego científico, de contratos de trabalho”, disse.
O CNANS está a funcionar desde agosto, em Lisboa.
Foi criado em 1997, depende da DGPC e conta com um acervo com cerca de 20 mil entradas de inventário de peças arqueológicas que, durante anos, estiveram provisoriamente guardadas no Mercado Abastecedor da Região de Lisboa.

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