OFICIO Nº 3/2017
A.DIRECÇÃO/Lisboa, 04-10-17

Na nossa dupla capacidade, enquanto sindicato e arqueólogos, chamamos a atenção para as graves questões laborais e patrimoniais que se têm sentido no Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática (CNANS). Fazemo-lo pela segunda vez, preocupados com o incumprimento das «responsabilidades e competências no que concerne à salvaguarda e protecção do património nacional, de cariz náutico e subaquático, que detém à sua guarda» e que a própria Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), através da sua directora-geral, afirmou-nos atender, numa comunicação de 07-06-2017.

Como pudemos testemunhar in loco, a 02-10-2017, as notícias que têm vindo a público não têm fugido da realidade, bem pelo contrário. Nas instalações do CNANS decorre uma obra que acarreta graves riscos e danos para o património arqueológico aí instalado e que evidencia uma problemática gestão por parte dos serviços do Ministério da Cultura (MC) do processo relativo às instalações do CNANS, que se arrasta sem solução desde 2010, com as consequências dramáticas que actualmente se verificam.

A permanente atitude de desinteresse pelas propostas estratégicas atempadamente elaboradas pelos técnicos e apresentadas superiormente teriam evitado os problemas que se verificam no presente e permitido um adequado funcionamento deste serviço. A situação agravou-se devido à ausência de uma gestão rigorosa do processo de obra/mudança, sem a participação de técnicos habilitados para o efeito e sem que tivessem sido disponibilizados os meios adequados para garantir que a mudança decorresse de forma apropriada.

A manifesta e escandalosa insuficiência de meios humanos para dar resposta às competências e necessidades do serviço (gestão, salvaguarda, estudo e valorização do património cultural disperso por 97% do território nacional, que se encontra imerso e em ambiente húmido e encharcado), há muito diagnosticada e para a qual não houve qualquer resposta dos serviços do Ministério da Cultura, não pode ser mais tolerada.

tudo isto se soma a falta de consideração e devida ponderação pelos sucessivos avisos e alertas proferidos nos últimos meses pela Assembleia da República, por Associações de Património, Investigadores e Trabalhadores, que tentaram insistentemente que a DGPC e o MC dessem a devida atenção e provimento às suas justificadas preocupações sobre o presente e o futuro do CNANS.

Como começámos por referir, o resultado desta postura é bem visível:

  1. Inviabilização do funcionamento regular do Laboratório de Conservação e Restauro do CNANS, nomeadamente das acções de conservação preventiva desenvolvidas quotidiana e correntemente, com incidência sobre os espólios em tratamento (nomeadamente o imerso) e em reserva;
  2. Manuseamento não autorizado, nem acompanhado, dos bens arqueológicos à guarda do CNANS pelos funcionários da obra (pessoal não habilitado) com todos os riscos inerentes;
  3. Elevado risco para a integridade e boa conservação dos bens arqueológicos à guarda da DGPC, alguns em processo de tratamento, inadequadamente protegidos durante as obras;
  4. Ocorrência permanente de contaminação dos tanques em que se conservam peças (com pó, lixos e substâncias estranhas) devido aos andaimes montados e às obras em curso em toda a área da reserva do CNANS;
  5. Elevado risco de contaminação e destruição do espólio documental deslocado para a zona da reserva devido às obras no piso superior;
  6. Risco de furto dos bens arqueológicos – verdadeiros tesouros nacionais – com elevado valor pecuniário, espólio documental e equipamentos, atendendo à circulação descontrolada de pessoal não afecto ao CNANS, em horário de obra e após obra (entre as 18h e as 8h as instalações do CNANS ficaram abertas com um buraco na parede durante alguns dias);
  7. Total desarticulação e mesmo desconhecimento da DGPC sobre os planos de obra naquele espaço do MARL;
  8. Total ausência de condições de trabalho (circulação em contexto de obra, sonorização, portas de segurança bloqueadas, inacessibilidade a espólio em tratamento, etc.) para os trabalhadores do CNANS;
  9. Inexistência de sistemas de minimização dos efeitos nefastos da obra sobre o laboratório e reserva de espólio arqueológico, nomeadamente, barreiras físicas de protecção e guarda-pós;
  10. Tentativa de responsabilização e pressão sobre os trabalhadores, tentando transferir para as vítimas directas as culpas da presente situação, que só podem ser imputadas aos dirigentes.

Torna-se evidente que o plano de obra não acautelou as necessidades e o labor dos funcionários. Para além disso, iniciou-se sem os cuidados necessários à preservação do património e sem aviso prévio aos técnicos competentes. Se tal tivesse acontecido, a salvaguarda dos bens arqueológicos e a paragem do processo de reciclagem dos tanques de água teria sido acautelada nas devidas condições. Ao contrário do que afirma o Sr. Sub-director da DGPC, Arq. João Carlos Santos, a cobertura dos tanques com plástico foi posterior à instalação dos andaimes e não passa de uma medida de mitigação que condiciona em muito o seu processo de manutenção. A monitorização tem sido feita apenas visualmente. Há, inclusivamente, uma série de equipamento de manutenção que já foi empacotado.

Posto isto, não existiu e continua a não existir uma avaliação rigorosa dos riscos para o espólio, equipamentos e documentação afectos ao CNANS. Não se sabe, efectivamente, se houve danos sobre este acervo. Essa avaliação só será possível quando o conservador e restaurador tiver acesso livre aos tanques para retomar o processo de tratamento e conservação do espólio arqueológico, isto é, quando a estrutura de andaimes for retirada. É, portanto, imperioso assegurar as condições que garantam a conservação preventiva dos bens arqueológicos à guarda do CNANS/ DGPC/ MC antes da continuação da obra. Sugere-se, ainda, que seja efectuado um apuramento do actual estado de preservação dos bens arqueológicos, e a consequente determinação de responsabilidades sobre as decisões tomadas, com abertura de um inquérito.

Considera-se ainda imprescindível que a DGPC e o MC garantam aos trabalhadores do CNANS:

  1. Que a gestão da mudança de instalações tenha em consideração a implementação da proposta estratégica elaborada pelos técnicos da DGPC, dotando o CNANS de recursos humanos especializados e dimensionados às necessidades do País, sobretudo quando se considera o Mar como um desígnio nacional, respondendo assim às mais do que legítimas preocupações do sector (conforme aliás decorre também da Resolução aprovada por unanimidade pela Assembleia da República);
  2. Os meios logísticos, equipamentos adequados ao exercício das competências atribuídas àquele serviço para salvaguarda e conservação dos bens arqueológicos e ao acompanhamento dos trabalhos arqueológicos, como sejam, equipamento de mergulho, material de registo gráfico e fotográfico, liofilizadora, equipamento de elevação e movimentação das peças imersas em tanques de impregnação, câmara de secagem, entre outras;
  3. As condições de segurança e de higiene básicas no serviço, como acesso às instalações sanitárias, portas de emergência, entre outras;
  4. Programas formativos devidamente certificados necessários à execução das suas atribuições e que lhes garantam experiência e segurança na área do mergulho, no manuseamento dos equipamentos necessários à sua deslocação (meio terrestre e náutico), reboque e pilotagem de veículos e embarcações.

Assim, no caso de não serem tomadas medidas que resolvam os problemas levantados, sentimo-nos enquanto sindicatos na obrigação de expor a situação publicamente, recorrendo, igualmente, aos meios legais para que se reponha o cumprimento da lei.